quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Educação, Educando, Educadores; E... Opressão Policial? Como assim !!???



Aberto inquérito para apurar denúncia: PM de Alckmin dá uma de DOPS, tenta censurar trabalho escolar e expõe professor e menores a agressões nas redes sociais

publicado em 29 de setembro de 2015 às 20:33
É como se duas jovens adolescentes, de apenas 14 anos de idade, “cumprissem pena” no interior de São Paulo. Elas não cometeram qualquer crime. São estudantes da Escola Estadual Professor Aggêo Pereira do Amaral, em Sorocaba, que fica a 100 quilômetros daquela que deveria ser a mais progressista metrópole da América Latina.
A pena a que as jovens foram condenadas, nas redes sociais, é por suposto “comportamento indócil”. Irônica — e tristemente — as adolescentes são exemplos vivos das teorias que o filósofo francês Michel Foucault desenvolveu em seu brilhante “Vigiar e Punir” [aqui, em PDF], publicado em 1975.
Foucault, num resumo brevíssimo: “Historicamente, o processo pelo qual a burguesia se tornou no decorrer do século XVIII a classe politicamente dominante, abrigou-se atrás da instalação de um quadro jurídico explícito, codificado, formalmente igualitário, e através da organização de um regime de tipo parlamentar representativo. Mas o desenvolvimento e a generalização dos dispositivos disciplinares constituíram a outra vertente, obscura, desse processo. A forma jurídica geral que garantia um sistema de direitos em princípio igualitários era sustentada por esses mecanismos miúdos, cotidianos e físicos, por todos esses sistemas de micropoder essencialmente inigualitários e assimétricos que constituem as disciplinas”.
Ou seja: em vez do enforcamento e da guilhotina comuns nas monarquias, quando os crimes eram contra o rei, “dispositivos disciplinares” supostamente neutros e “igualitários”. Hospitais psiquiátricos, prisões e escolas cujas regras produzem o que Foucault chamou de “corpos dóceis”, submissos, indesejados pelo capital ou reprodutores da injustiça e da desigualdade.
A punição informal às adolescentes de Sorocaba, condenadas ao medo — e, por extensão, aos parentes delas, que estão muito nervosos com a situação — deveu-se justamente a um trabalho escolar sobre a obra de Foucault, que faz parte do currículo escolar oficial no Estado de São Paulo.
E, mais uma vez de forma irônica — e perversa — foi resultado da ação de uma corporação estatal — a Polícia Militar — cuja missão anunciada é a de “servir e proteger”. A quem, não pretendemos discutir neste texto.
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O caso, segundo descrito por professores da escola — que também preferem não se identificar, por temerem represálias –, começou quando alguém fez uma foto de um dos muitos trabalhos sobre Foucault que estavam em exposição na escola e reproduziu em seu grupo no WhatsApp.
Logo o assunto se espalhou pelas redes sociais e foi parar em páginas do Facebook de apoiadores da Polícia Militar – segundo o site G1, dentre eles o Admiradores da Rota e oSargento Alexandre. A PM paulista tem mais de 100 mil homens e uma estratégia de comunicação que enfatiza os salvamentos aéreos, os partos realizados por policiais e crianças fardadas.
A desmilitarização das polícias é um tema candente. As PMs no Brasil surgiram para combater o “inimigo interno” durante a ditadura militar e ainda são tropas subordinadas ao Exército. Hoje, “combatem” basicamente na periferia e matam um número desproporcional de pretos, jovens e pobres.
No caso específico do qual tratamos, o que surpreendeu a direção, os professores e alunos da Escola Estadual Professor Aggêo Pereira do Amaral foi o comportamento oficial da corporação.
Uma tenente da PM de Sorocaba, acompanhada de dois cabos, foi à escola exigir a remoção do cartaz. “Aqui tem uma apologia ao PCC”, teria dito ela, sempre segundo a descrição dos professores.
É um papel de fazer inveja ao antigo Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, a polícia política extinta com o “fim” da ditadura militar, em 1985. Isso eu, Azenha, testemunhei pessoalmente como criança: policiais do DOPS, sem mandado judicial, invadindo minha casa para remover livros “subversivos”, inclusive romances encapados de vermelho!
PCC é o Primeiro Comando da Capital, que controla as penitenciárias de São Paulo e de vários outros estados brasileiros. Em 2006, depois de uma onda de ataques promovidos pela facção, o governador paulista Geraldo Alckmin, ao qual a PM é supostamente subordinada, teria feito um acordo com o PCC, segundo declaração recente de um delegado feita em depoimento judicial.
O professor de filosofia Valdir Volpato tentou explicar aos policiais que se tratava de um trabalho escolar mais complexo que aquela imagem isolada, que o tema é parte do currículo oficial e denunciou a intervenção da PM como tentativa de “censura”. A tenente, na descrição de uma colega de Volpato, disse que ao lado daquele cartaz deveria estar outro, louvando o trabalho da Polícia Militar.
O mais surpreendente viria nas horas seguintes. Diante da negativa dos professores e dirigentes da escola de retirar o cartaz, a Polícia Militar de São Paulo publicou nota oficial em seu site no Facebook. Do conteúdo é possível inferir a intenção da corporação de definir o que pode ou não ser dito nas escolas:
ESCLARECIMENTO E REPÚDIO
Cabe à Diretoria de Ensino, Região de Sorocaba, pronunciar-se sobre a veracidade do material e sobre a real qualidade de professor do senhor VALDIR VOLPATO.
Não queremos acreditar que, em pleno século XXI, profissionais da área de ensino posicionem-se de maneira discriminatória, propagando e incutindo o discurso de ódio em desfavor de profissionais da segurança, estimulando seus alunos a agirem sem embasamento e direcionando-os de acordo com ideologias anacrônicas, que em nada contribuem para a melhoria da sociedade.
A Polícia Militar de São Paulo e seus policiais, retratados numa infeliz charge, sempre difundida por determinados e conhecidos grupos, sempre foi e será grande defensora dos Direitos Humanos e dos deveres morais, éticos e legais da sociedade.
Estimular trabalhos apenas com pesquisas em Internet, matérias jornalísticas e material de criação confeccionados por pessoas parciais, está longe de ser uma metodologia aceitável. É preciso ter responsabilidade no processo de ensino.
A Polícia Militar está, como sempre esteve, de portas abertas a quem quiser conhecê-la e repudia a postura do infeliz professor, caso efetivamente tenha ocorrido esse erro lastimável.
CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PMESP
Em primeiro lugar, a PM se coloca num papel que constitucionalmente não é o seu, o de arbitrar o que é ou não metodologia de ensino aceitável.
Em segundo lugar, denuncia nominalmente o professor, que define como “infeliz”, antes mesmo de conhecer os fatos, o que admite ao dizer “caso efetivamente tenha ocorrido esse erro lastimável”. Apenas corrobora, no setor de comunicação, práticas das quais é acusada no dia-a dia: atira primeiro e esclarece depois.
Em terceiro lugar, usa um linguajar que remete à ditadura militar, quando fala em “ideologias anacrônicas” sem dizer quais ela pretende permitir e quais condena — como se fosse seu papel fazê-lo.
Em quarto lugar, ao reproduzir o cartaz que pretendia remover da escola, a corporação não teve o cuidado de proteger a identidade das duas menores de idade, que passaram a ser achincalhadas nas redes sociais. Uma irresponsabilidade inaceitável para quem publica fotos de bebês de farda.
Como se vê abaixo, o portal G1, das Organizações Globo, teve o cuidado que faltou à PM paulista:
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Embora temendo pela própria vida, as menores redigiram uma nota curta (veja o vídeo) que foi lida por um colega durante a sessão de desagravo que aconteceu nesta segunda-feira 28, em Sorocaba. O cartunista Latuff, autor do desenho que gerou a controvérsia, veio de Porto Alegre prestar solidariedade.
Gostem ou não dos desenhos do Latuff, o inciso nono do artigo V da Constituição de 1988, vigente no Brasil, diz:
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
A Polícia Militar paulista, ao que se saiba, não está acima da Constituição. Ou, pelo menos, ainda não!
O deputado Raul Marcelo (PSOL-SP) protocolou requerimento junto ao secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes (veja trechos abaixo). Ele contém dez perguntas. Segundo o parlamentar, “as instituições públicas devem sempre observar o limite de suas atribuições constitucionais, sob pena de exorbitar os limites que o constituinte lhes concedeu”.
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A seccional da OAB de Sorocaba pediu abertura de inquérito policial para apurar abuso de autoridade e violação do Estatuto do Menor e do Adolescente (ECA), devido à exposição indevida dos nomes das menores de idade pela Polícia Militar. A tomada de depoimentos estava prevista para ter início hoje.
Dois dirigentes do grêmio estudantil da ETEC Rubens de Faria e Souza, da mesma cidade, compareceram ao evento se dispondo a promover a mesma exposição também naquela escola.
“Putinhas e bandidos, é o que dizem da gente por aí”, afirmou uma estudante ao chegar recentemente às aulas, segundo o relato de uma professora.
Embora temendo individualmente a possibilidade de represálias, inclusive de violência física, os estudantes do professor Volpato lançaram nas redes sociais a campanha #SomosTodosAggêo.
Ainda que involuntariamente, a PM paulista prestou neste caso um serviço: provou que no Brasil Foucault está mais atual do que nunca.
Abaixo, as falas no evento de Rodrigo Chizolini — que representou o deputado Raul Marcelo — e do cartunista Latuff (nosso obrigado à Carolina Keppler):
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