domingo, 23 de abril de 2017

Verdadeira Aula de Teologia



‘’Fora da igreja não há salvação ?
A necessidade da Igreja para a salvação


       Pe. Antônio Piber
                   

     
O tema da necessidade da Igreja para a salvação impõe-se com urgência quando alguns usam o axioma “Extra Ecclesiamnullasalus”(escrevendo errado o latim e atribuindo-o, com equivoco, a Santo Agostinho) numa perspectiva excludente e negativa, o que é surpreendente, pois se compreendermos de fato que “fora da Igreja não há salvação”, cabe a pergunta: onde está a verdadeira Igreja que salvaria?Nos ortodoxos? Nos romanos? Nos Brasileiros? Nos Reformados? Se é um fato, como fica o “onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome eu estarei no meio deles” (Mt 18,20)?
E qual igreja é a tal que fora dela não há salvação? Já que são muitas as denominações (mesmo católicas), cada uma se arvorando a mais “única” e a mais “verdadeira”. Jesus disse que viriam alguns “falsos profetas” que diriam que “o Reino de Deus está aqui, o Reino de Deus está ali”, mas o que não compreendem, não querem perceber, na sua soberba e egoísmo, é que “o Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17,20-25).
Importa perguntar-nos se, de fato, compreendemos Jesus como pleno e suficiente Salvador, ou se continuamos buscando subterfúgios idolátricos para não O aceitarmos de fato? Importa também nos interrogarmos sobre a posição da cristandade em face do mundo que a rodeiae que serviço ela, e nós, como Seus ministros, queremos ou não prestar, se estamos no mundo imitando Jesus “como aquele que serve” (Lc 22,26) ou se queremos nos servir, condenando-nos nós mesmos ao inferno?
Este é um problema teológico que suscita um inquérito histórico positivo. Assim que, ao citarmos “extra Ecclesiamnullasalus”, deveríamos ser levados a interrogar-nos sobre o seu sentido e contexto original, se não correremos o risco de que nos seja imputada a pecha da ignorância, da arrogância e da má vontade e de usarmos um dos Santos Padres, um dos Bispos Mártires da maior grandeza, para apenas tentar justificar nossos preconceitos anti-ecumênicos.
Pois bem, vamos a São Cipriano: esta fórmula surgiu no contexto das perseguições, das provações infligidas pelo Impero Romano aos cristãos e às cristãs, e ela se situa na perspectiva da parusia iminente. O contexto é o conflito entre a igreja do Norte da África e a igreja de Roma a proposito da validade dos Sacramentos administrados por hereges e cismáticos. São Cipriano defende firmemente a não validade destes Batismos e o dos “relapsos” e justifica sua posição, declarando que “fora da Igreja não há salvação”. Logo, como se poderia pôr o problema dum Batismo válido fora da Igreja? Essa atitude rigorista apoia-se, no entanto, a despeito da formula, sobre um elemento positivo: foi em Cristo que Deus deu a salvação ao mundo; Cristo prolongou esta salvação com a fundação da Igreja; a unidade e a comunhão da Igreja reunida em volta do Bispo é o instrumento da salvação, porque a comunidade dos cristãos é precisamente o local onde se comunicam o Pai, o Filho e o Espirito Santo. Fora dessa unidade, também constituída pela fides integra, não há lugar senão para a obra do anti-Cristo, que semeia a desunião, a discórdia, o ódio, a arrogância e o egoísmo, semeando assim a perdição e anunciando a proximidade do fim do mundo.
A reconstituição exata da origem histórica de um adagio patrístico não traz ainda a clareza desejada, se ao mesmo tempo não se alargar o inquéritoà sua base escriturística e a sua proclamação pelo Magistério. Não basta um dos Santos Padres ter falado, para que tal coisa se torne uma verdade de fé. No que diz respeito a Escritura, ela diz claramente da necessidade da fé e do Batismo, mas também da Vontade salvífica de Deus. O próprio São Paulo ensina que, embora a salvação nunca seja proposta independentemente da Igreja, os não batizados podem misteriosamente participar da redenção de Cristo. Além disso, saliento queexiste uma espécie de pertença anônima a Cristo, pois em Mateus 25,34-40 o Juiz diz àqueles que se encontram à Sua direita: “Vinde benditos de meu Pai, e recebei o reino que foi preparado para vós desde a fundação do mundo. Porque eu tive fome e vós me destes de comer”. A reação dos eleitos merece ser sublinhada: “Senhor, quando foi que o vimos com fome?”. Eles não se lembraram de ter encontrado o Cristo. Então o Rei responde: “Àquilo que fizestes aos mais humildes dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes”. Existe, pois, um encontro não explicito, de Cristo, que se produz no momento do encontro com o próximo”. A favor deste cristianismo “implícito”, citamos também o discurso de São Paulo no Aerópago “Venho vos anunciar aquele a quem honrais, sem o conhecerdes” (At 17,23).
A necessidade da igreja romana para a salvação foi formalmente declarada pelo papa Inocêncio III (cf. Denz. 423), mas alguém, em sadia consciência considera válido ou relevante o que este Papa declarou? Também o concilio do Latrão IV (cf. Dens. 430) e Bonifácio VIII, na bula Unam Sanctam, ondeafirmou que quem não se sujeitasse a ele, não iria para o Céu... O concílio de Florença (Denz 570b) afirma: “Nem os pagãos, nem também os judeus, os heréticos, os cismáticos possuirão a vida eterna”, no entanto, Jesus Cristo afirmou: “Bem aventurado os misericordiosos porque alcançarão misericórdia. Bem aventurado os puros de coração, porque varão a Deus. Bem aventurado os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. Bem aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,7-10). Não é uma questão de opinião, mas sim de opção...
Para São Cipriano, não havia validade dos Sacramentos ministrados pelos que não estavam em comunhão com a Igreja Católica que ele representava e que era, naquele tempo, a do Norte da África; o Bispo de Roma, para ele, era o lado oposto, a não ortodoxia liberal e moderna. Um clérigo de qualquer denominação separada das outras, que publica esta frase, é no mínimo um equivocado..., se aceitarmos (e publicarmos) o axioma de São Cipriano, devemos aceitar (e publicar) que, de fato, os Sacramentos que ministramos são inválidos e ilícitos e que não somos a Igreja, mas sim um arremedo e que, decididamente, não estamos na salvação...
É preciso com urgência que se coloque a lume a doutrina do Evangelho, que os novos tenham humildade para aprender dos mais velhos e que todos estudemos, estudemos a sadia Teologia e, sobretudo, que tenhamos uma radical experiência ecumênica e arregacemos as mangas, colocando os pés no chão na pastoral e na missão, parando de perder tempo com picuinhas na internet... Que façamos sempre de novo, diuturnamente, uma leitura orante da Bíblia, como lectio divina, principalmente dos Escritos Apostólicos. E que no estudo da Teologia, se tome muito a serio a teologia do Batismo como incorporação em Cristo, na Ireja de Cristo, independente do nome que ela assuma.
Ora, todos os batizados em Cristo, ficam incorporados á Igreja de Cristo, independente do nome que ela tenha. Isto alarga a perspectiva da problemática respeitante aos membros da Igreja e á salvação “fora” da Igreja, se não for assim, somos obrigados a reconhecer que as Igrejas não romanas, não são verdadeiramente a Igreja, mas sim, para usar uma expressão do então cardeal Ratzinger: “São apenas comunidades religiosas” (Dominus Iesus, 3).Cito aqui a feliz expressão do papa Pio XI, quando em alocução a 9 de janeiro de 1927, lembrava que “os pedaços arrancados a uma rocha aurífera, contém também ouro” (Osserv. Romano, 10-11, jan. 1927).
Convido a que reconheçamos o agir de Deus nas outras Igrejas e nas outras religiões, e a sabermos que “o Espirito sopra onde quer” (Jo 3,8).
Mas o que a Bíblia diz exatamente sobre os aspectos subjetivos exigidos pela obtenção da salvação? Em primeiro lugar, aquele e aquela que possui o amor e a caridade, possui tudo, conforme Mateus 22, 35-40; Romanos 13,9ss; Mateus 25,31-46, Primeira aos Corintos 13 (sobretudo o versículo 13) e a Primeira Joao 4. A atitude para com o próximo é decisiva para a salvação, este é o maior ensinamento da Parábola do Bom Samaritano (cf .Lc 10,30-37). Mas a Escritura ensina que nenhum homem ou mulher possui realmente esta caridade, por que todos somos prisioneiros de nosso egoísmo. É esta a razão porque todos e todas deveríamos ser condenados (cf. Rm 3,23). Contudo, isto só não acontece devido a superabundância da graça de Cristo, de Seu amor incondicional por nós todos e todas, os pecadores e as pecadoras. A caridade é, pois, determinante, e quem não tiver amor no coração e não tiver uma caridade prática, não se salva, independente de estar nessa ou naquela Igreja, nessa ou naquela religião; mas como ela, a caridade, não é suficiente, devemos crer, devemos ter fé em Jesus e o aceitarmos como Nosso Salvador. Esta fé é o reconhecimento cheio de amor da impotência do homem e da mulher e é, consequentemente, a abertura à ajuda de um Outro. Toda a humanidade vive desse serviço de complementariedade realizado por Jesus Cristo. A vocação da Igreja é também participar nele, servindo. Ela não é um clube de salvação fechado em sim mesmo, mas sim a comunidade daquelese daquelas que são chamados e chamadas a colocar-se ao serviço da multidão. É isto que São Paulo, os Santos Padres, e os Teólogos da Libertação, tão incompreendidos, tentaram nos ensinar... É impossível negar o discurso inaugural do Evangelho na sinagoga de Nazaré: “O Espirito de Deus está sobre mim, para anunciar uma boa nova de libertação aos pobres” (Lc 4,16-30).
“A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai”, afirma o Apóstolo Tiago “é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção do mundo” (Tg 1,27), “porque os olhos do Senhor estão sobre os justos e seus ouvidos, atentos a seus rogos; mas a força do Senhorestá contra os que fazem o mal” (Tg 3,12). E o que é a salvação? É livrar-se dos pecados? Se é, “a caridade cobre a multidão dos pecados”( Tg 4,8).
A graça proveniente de Deus não atua só ocasionalmente e para uns privilegiados, Deus não têm preferidos, pois “reconhecemos que Deus não faz acepção de pessoas, mas sim que em todas as nações lhe é agradável aquele que pratica a justiça” (At 10,34). Praticar a justiça é o que a Deus lhe agrada? Isto resolve radicalmente a questão da salvação dos e das que estão “fora” da Igreja e daqueles e daquelas que ignoram a mensagem evangélica. Sim, ele ou ela não é desta nação/igreja, mas “pratica a justiça”, pois bem, ele ou ela agrada mais a Deus do que os e as que dizem “Senhor, Senhor”, “pois não é o que diz Senhor, Senhor que irá para o Céu, mas o que faz a vontade de Deus” (Mt 7,21-23)... Quando uma mulher do povo exclama que “os seios que amamentaram” Jesus são benditos, ele contesta que “mais feliz é quem houve a Vontade de Deus e a pratica” (Lc 8,21). “Quem observa os Seus Mandamentospermanece em Deus e Deus nele. É nisto que reconhecemos que ele permanece em nós: pelo Espirito Santo” (1Jo 3,24b).
Naturalmente que a distinção (e não a separação, pois ela não há) entre a ordem natural e a ordem sobrenatural, fica preservada. A salvação é uma graça oferecida, não pela própria existência humana, mas em virtude da Vontade de salvação de Deus, absolutamente livre, mas real, que se estende a todos os homens e a todas as mulheres, sem exceção. Com a morte de Jesus Cristo “o véu do templo se rasgou de cima abaixo” (Mc 15,37-38), demonstrando que não há mais separação entre o Santo dos Santos e o “pátio dos gentios”.
Se não, estão condenadas as crianças mortas sem batismo? E os Profetas e as Santas Mulheres do Antigo Testamento?
Compreendo que a dificuldade em ter um espirito ecumênico e liberto, misericordioso e solidário e usam estas frases isoladas, fora do contexto e da intenção do autor, leva a estes erros. No entanto, peço que tomemos cuidado, pois um dia esta prática poderá se voltar contra nós e poderemos ouvir de Jesus o “afastai-vos de mim, malditos, ide para o fogo eterno, destinado ao demônio e aos seus anjos”... (Mt 25, 41), pois ao “bom ladrão” Jesus disse: “ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43) e perturbadoramente afirmou que “Sodoma, no dia do juízo, será tratada com menos rigor do que Cafarnaum” (cf. Mt 11,24), Sodoma, a que “será tratada com menos rigor”, nós sabemos o que é, mas e Cafarnaum? Além de ser a cidade de São Pedro (cf. Mc 1,29), é a dos “fariseus hipócritas” (cf. Lc 10,13-15). Se os nossos critérios de salvação são esses, estejamos atentos, pois não seria de nós que Jesus Cristo teria dito que “os ladrões e as prostitutas os precederão nos reino dos Céus” (Mt 21,31)?
Penso que Jesus Misericordioso está querendo abrir largamente as portas do Reino, a “Casa do Pai” mas alguns, infiéis porteiros e maus pastores, “servos inúteis” (cf. Lc 17,5-10)insistem em fechá-la... “ai de vós hipócritas, que não entram e não deixam ninguém entrar” (Mt 23,13).
“O amor vem de Deus e todo o que ama conhece a Deus e é nascido de Deus” (1Jo 4,7).
“Caríssimos, se a nossa consciência não nos censura, temos confiança diante de Deus” (1Jo 3,21).

Nossa Senhora, Mãe da Igreja, rogai por nós!’’


Por Pe. Piber

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